A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101, de 04 de maio de 2000) implementou grandes mudanças na gestão pública, seja implantando um modelo baseado em planejamento, seja impondo responsabilidade e transparência fiscais, modelo conhecido com accountability.
Um dos artigos mais polêmicos e importantes desta lei, o artigo 42, do pequeno capítulo Dos Restos a pagar, veio justamente para moralizar uma situação que já havia se tornado praxe entre ocupantes de cargos eletivos: O governante, principalmente no fim de seu mandato, fazia muitos gastos, em geral eleitoreiros, que não tinha certeze se poderia pagar. Caso não houvesse disponibilidade para pagamento, como normalmente não havia, inscrevia as dívidas em Restos a pagar e, ano após ano, os Restos a pagar viravam uma bola de neve cada vez maior.
Assim, era comum, por exemplo, um novo prefeito passar o primeiro ano ou mais apenas pagando os Restos a pagar do governo anterior. É justamente este tipo de situação que o artigo 42 enfrenta. Vejamos o artigo:
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Art. 42. É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito.
Parágrafo único. Na determinação da disponibilidade de caixa serão considerados os encargos e despesas compromissadas a pagar até o final do exercício.
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Apenas pra situar, abaixo o artigo 20 para visualizarmos bem quem está sujeito a este artigo 42:
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Art. 20. A repartição dos limites globais do art. 19 não poderá exceder os seguintes percentuais:
I - na esfera federal:
a) 2,5% (dois inteiros e cinco décimos por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas da União;
b) 6% (seis por cento) para o Judiciário;
c) 40,9% (quarenta inteiros e nove décimos por cento) para o Executivo, destacando-se 3% (três por cento) para as despesas com pessoal decorrentes do que dispõem os incisos XIII e XIV do art. 21 da Constituição e o art. 31 da Emenda Constitucional no 19, repartidos de forma proporcional à média das despesas relativas a cada um destes dispositivos, em percentual da receita corrente líquida, verificadas nos três exercícios financeiros imediatamente anteriores ao da publicação desta Lei Complementar;
d) 0,6% (seis décimos por cento) para o Ministério Público da União;
II - na esfera estadual:
a) 3% (três por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Estado;
b) 6% (seis por cento) para o Judiciário;
c) 49% (quarenta e nove por cento) para o Executivo;
d) 2% (dois por cento) para o Ministério Público dos Estados;
III - na esfera municipal:
a) 6% (seis por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Município, quando houver;
b) 54% (cinqüenta e quatro por cento) para o Executivo.
§ 1o Nos Poderes Legislativo e Judiciário de cada esfera, os limites serão repartidos entre seus órgãos de forma proporcional à média das despesas com pessoal, em percentual da receita corrente líquida, verificadas nos três exercícios financeiros imediatamente anteriores ao da publicação desta Lei Complementar.
§ 2o Para efeito deste artigo entende-se como órgão:
I - o Ministério Público;
II- no Poder Legislativo:
a) Federal, as respectivas Casas e o Tribunal de Contas da União;
b) Estadual, a Assembléia Legislativa e os Tribunais de Contas;
c) do Distrito Federal, a Câmara Legislativa e o Tribunal de Contas do Distrito Federal;
d) Municipal, a Câmara de Vereadores e o Tribunal de Contas do Município, quando houver;
III - no Poder Judiciário:
a) Federal, os tribunais referidos no art. 92 da Constituição;
b) Estadual, o Tribunal de Justiça e outros, quando houver.
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Ou seja, não só apenas os cargos eletivos estão sujeitos ao artigo 42, mas, por seu contexto histórico, me parecem ser os principais alvos do referido comando.
Na prática, o artigo 42 significa que, para qualquer compromisso assumido pela administração nos últimos oito meses de sua gestão, deve haver o respectivo pagamento ou a reserva orçamentária no mesmo exercício (ano). Não significa que a obrigação deve ser paga necessariamente no exercício, mas a reserva orçamentária deve ser feita.
Um exemplo em que não há o pagamento no mesmo exercício sem ferir este comando é quando a administração paga o salário de seus servidores apenas no dia 05 do mês seguinte. O salário referente à competência de dezembro será pago apenas em janeiro do exercício seguinte, mas com a reserva feita no exercício do mês de referência do pagamento.
Outro aspecto importante, que leva em conta principalmente o princípio da continuidade do serviço público e da anuidade do orçamento, é que, para prestações continuadas referentes a serviço público, como coleta de lixo por exemplo, há a necessidade de reserva apenas para o exercício corrente, ou seja, o contratante só é obrigado a fazer a reserva referente ao serviço que será efetivamente prestado no ano corrente. As prestações referentes aos exercícios seguintes serão computadas no balanço do respectivo exercício.
Quando à responsabilidade, ainda de acordo com o artigo 42, podem ser responsabilizados apenas as pessoas elencadas no artigo 20. Assim, um Ministro de Estado não pode ser responsabilizado por agir em desacordo com este artigo.
Outro fator importante é que o administrador público não pode simplesmente deixar de honrar compromissos anteriores para quitar débitos do período mencionado no artigo 42, mesmo porque estaria descumprindo o quanto disposto no artigo 5º da Lei 8.666/93:
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Art. 5o Todos os valores, preços e custos utilizados nas licitações terão como expressão monetária a moeda corrente nacional, ressalvado o disposto no art. 42 desta Lei, devendo cada unidade da Administração, no pagamento das obrigações relativas ao fornecimento de bens, locações, realização de obras e prestação de serviços, obedecer, para cada fonte diferenciada de recursos, a estrita ordem cronológica das datas de suas exigibilidades, salvo quando presentes relevantes razões de interesse público e mediante prévia justificativa da autoridade competente, devidamente publicada. (negritei)
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